As marcas podem ser pessoas? Esse questionamento deu start a um dos debates mais interessantes da Campus Party 2012 e nos faz refletir sobre os valores e princípios que incorporamos ao cotidiano contemporâneo. Há algumas décadas, essa questão pertencia a um idioleto, um sistema linguístico dominado por um único indivíduo. Hoje, assume ares de angústia coletiva - angústia da qual partilho. É claro que desde que o mundo é mundo, somos desafiados a dar sentido à existência, mas estamos perdendo o tino. A resposta positiva a esse questionamento leva à pergunta: que legado deixaremos para as futuras gerações?; Com que valores vão viver os nossos filhos e netos? Por que atribuir facetas humanas às marcas? Será uma tentativa de resgatar o elo com o humano? Uma crise de valores?

Em tempos de Facebook, vivenciamos uma dicotomia paradoxal - embora a rede social promova encontros com pessoas do nosso passado, amigos dos quais nos afastamos pela correria dos tempos modernos, não significa que estejamos mais próximos uns dos outros; que valorizamos, na prática, a vida em sociedade. É estranhíssimo, por exemplo, receber parabéns de um amigo muito próximo apenas pelo Facebook. O que leva um amigo a acreditar que esse tipo de ação é legítima? E o contato humano? Cadê a "amizade, palavra, respeito, caráter, bondade, alegria e amor", como diria Milton Nascimento?

É claro que o questionamento sobre a possibilidade de marcas serem pessoas desnuda o espírito de um novo tempo. Os estudiosos de tendências, marketing e branding associam as marcas a importantes agentes de conexão social; As pessoas se ligam às marcas de forma emocional. O consumidor brasileiro contemporâneo busca valores humanos nas marcas e tem a expectativa de construir um relacionamento pautado pela transparência, honestidade, confiança, integridade, respeito e ética.

Contudo, algumas das conclusões da pesquisa inédita Brand ID, desenvolvida pela Voltage e Bridge Research, revelam que 62% dos entrevistados mostram insatisfação ao afirmar que falta honestidade às marcas; 53% não as associam a características humanas valorizadas. Na essência, esse consumidor busca estabelecer um relacionamento mais estreito com marcas e produtos. Nessa instância pode surgir daí o "antropomorfismo moderno".

O cerne da questão é que embora as pessoas possam ser marcas - vide Madona e Lady Gaga -, as marcas não podem ser pessoas. A pergunta mais correta é como as marcas vão perpetuar os valores humanos; Qual a leitura e a tradução que farão de princípios importantes para a vida em sociedade. A vida está mais complexa do que nunca, o ser humano está mais individualizado - o que tem gerado relações mais superficiais. Viramos seres do quando e do se. Perdemos o presente. Em contrapartida, sentimos falta do contato humano e passamos a exigir uma postura inviável por parte das marcas. Está estabelecida a crise!

As campanhas mais destacadas, por exemplo, são as que unem a exposição da marca a um objetivo maior como a conscientização do consumidor para questões socioambientais. A ideia que permeia essa valorização é que ao atuar como "agente do mundo", a marca passa a contribuir com a coletividade. Em contrapartida, a que ignora a necessidade de manter a fluidez na relação - e a necessidade de pertencer e cuidar dos interesses coletivos - está fora do cotidiano dos influenciadores, ou seja, dos consumidores com real capacidade de influenciar um número expressivo de pessoas.

Não por acaso, poucas pessoas dizem amar determinada marca. Ou seja, embora haja o desejo de manter uma relação humana com as marcas, o amor é destinado a amigos, familiares e pessoas próximas. Aliás, os disseminadores de tendências acreditam que as pessoas que declaram amor às marcas são desconectadas da realidade. Afinal, marcas não são pessoas!

Paulo Al-Assal - Mundo do Marketing

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